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Hepatites Virais

Dr. Hermann Schatzmayr: Existem vários tipos de hepatite sendo as principais as causadas por medicamentos, as causadas pela ingestão de álcool e outras substância tóxicas e as causadas por microorganismos (hepatites infecciosas) principalmente  por vírus. As causadas por vírus são as hepatites denominadas A , B, C, D e E, sendo que as hepatites A e E não formam quadros crônicos, evoluindo quase sempre de maneira favorável, em poucas semanas.

As hepatites B e a C evoluem lentamente ao longo dos anos e são as mais graves pois podem terminar em processos crônicos como insuficiência hepatica,  cirrose (destruição irreversível dos hepatócitos) e câncer hepático (hepatoma). Os casos de cirrose e de hepatoma podem exigir um transplante do órgão como medida extrema de tratamento. Classificam-se como crônicas as infecções pelos vírus B e C  que persistem por mais de seis meses após a infecção com o agente. Estes quadros ocorrem quando o paciente não consegue formar anticorpos para os vírus, por fatores ainda não bem conhecidos.

Pela evolução mais comum para cirrose e hepatoma, podemos dizer que a hepatite C é a mais grave das hepatites virais. Formas fulminantes, nas quais os pacientes morrem na fase aguda, ocorrem em número pequeno de casos, sendo importantes na hepatite A em grávidas e pacientes debilitados.

BnA: Qual a diferença entre uma hepatite aguda  e uma crônica (quais os sintomas)?

Dr. Hermann Schatzmayr: As hepatites agudas  são as formas clínicas iniciais, que surgem após o período de incubação. Representa a forma inicial da infecção, a qual pode evoluir para um processo crônico ou não, dependendo do agente envolvido e do organismo do paciente. A hepatite B cronifica em cerca de 90% das infecções adquiridas por ocasião do parto (contato da criança com o sangue da mãe com infecção crônica e portadora do vírus) e apenas em 5 a 10% das infecções adquiridas na adolescência e idade adulta.

A hepatite C tem forte tendência a evoluir para o estado crônico em  cerca de 85% das infecções, o que demonstra a gravidade da doença. A hepatite D (ou delta) é causada por um vírus que somente aparece nos pacientes  já infectados com o vírus da hepatite B e que agrava o quadro. Foi descrita inicialmente na Itália mas existe em vários países, inclusive na região amazônica.

Os sintomas principais do quadro agudo das hepatites são febre, perda de apetite, prostação, dor na região do abdome direito, náusea, dor de cabeça,  vomito e muitas vezes a icterícia que é a cor amarelada que surge na pele e nos olhos indicando uma lesão hepática importante. A urina pode apresentar cor escura. Em geral pacientes com hepatite aguda adquirem forte repulsa à fumaça de cigarro.

No caso de hepatite B podem ocorrer ainda dores articulares. As hepatites B e C podem apresentar sintomas pouco definidos nas fases iniciais do quadro e os vírus começam a agredir o fígado sem que o paciente perceba algum sintoma importante, o que pode persistir por vários anos. Estes sintomas indefinidos incluem fadiga, mal-estar geral, sintomas digestivos crônicos, falta de apetite, perda de peso e febre leve, sendo recomendada uma consulta médica imediata, para diagnóstico e início do tratamento.

Com frequência as hepatites B e C são identificadas apenas quando o paciente faz o exame laboratorial específico, como por exemplo para doação de sangue.

BnA: Como se adquire uma hepatite e qual o tempo de incubação da mesma?

Dr. Hermann Schatzmayr: As hepatites A e E que não cronificam, infectam por via oral (água e alimentos) e também passam de pessoa a pessoa, especialmente em crianças por falhas na higiene pessoal, pois as fezes contém grande quantidade de vírus no início da doença. Estas hepatites têm uma incubação entre quinze a sessenta dias e após a cura não deixam lesões crônicas nos pacientes. As hepatites B e C apresentam um período de incubação de quinze dias a seis meses (média em torno de quarenta dias) e infectam por meio de contato sexual (mais raro na hepatite C) ou contato com qualquer material contendo restos de fluídos de portadores  dos vírus,  como agulhas infectadas com sangue, material usado em cirurgias, instrumentos cirúrgicos e de corte de unhas, tatuagens, etc. A hepatite C é responsavel por 90 a 95% das infecções adquiridas por transfusões sanguíneas e tanto a hepatite B como a C, são problemas sérios em unidades de hemodiálise, onde há grande risco de infecção entre os usuários, por contaminação das máquinas de bombeamento do sangue.

BnA: Qual o risco para o feto se  a gestante adquire a hepatite durante o período de gestação?

Dr. Hermann Schatzmayr: Como assinalado, a hepatite A pode apresentar quadro agudo muito grave em grávidas. A hepatite B pode se transmitir para a criança logo após o parto e por isso se recomenda, no caso da hepatite B, a vacinação da criança  até 48 horas após o nascimento e a aplicação de anticorpos específicos para hepatite (gama-globulina). A transmissão dos vírus das hepatites B e C para o feto durante a gestação não foi comprovada e se realmente ocorre deve ser um evento muito raro.

BnA: Porque recém-nascidos tem risco maior de adquirir a hepatite B?

Dr. Hermann Schatzmayr: O risco existe quando a mãe é portadora do vírus, ou seja tem um quadro crônico, com frequência desconhecido em gestantes de baixa renda, quando exames pré-natais não são corretamente realizados. Se a mãe é portadora do vírus, devem ser tomadas medidas ao nascimento visando evitar a transmissão, sendo a mais importante a vacinação da criança ainda na maternidade. Lembre-se que a infecção no recém-nascido evolui em 90% dos casos para o estado crônico, o que indica a absoluta necessidade de vacinação imediata da criança de uma portadora de hepatite B.

BnA: Existem diferenças entre os riscos dependendo do tipo da hepatite?

Dr. Hermann Schatzmayr: Certamente, dependendo do agente envolvido, da forma de transmissão, da quantidade de vírus recebida e muito de fatores individuais, os riscos variam bastante.

BnA: Quais os grupos de risco para a hepatite?

Dr. Hermann Schatzmayr: Os grupos de risco para hepatite A e E são todos os que tem contato com pessoas eliminando vírus através das fezes nas fases bem iniciais da infecção, em especial em escolas e creches, os que utilizam alimentos e líquidos contaminados com os agentes e aqueles que viajam a regiões de baixo nível de saneamento, sem tomarem a vacina contra hepatite A. A hepatite E não tem sido descrita em regiões desenvolvidas do mundo, porém hepatite A ocorre em todas as regiões, variando apenas a idade em que ocorrem as infecções: em crianças nas áreas menos favorecidas e na adolescência e fase adulta nos paises desenvolvidos. Como a doença tende a ser mais grave em jovens e adultos, uma vacinação nestes países é muito importante.

Para as hepatites B e C são fatores de risco sexo sem o uso de preservativos, fundamentalmente para a hepatite B, contato profissional ou ocasional com sangue e derivados, transfusões de sangue, diálise renal, tatuagens e cortes de unha sem material descartável ou de uso exclusivo da pessoa, inoculação de drogas ilícitas com material contaminado, ambientes da alta promiscuidade, prisões, asilos de idosos e hospitais com pacientes de doença mental. A remoção da cutícula das unhas, um nosso hábito feminino, constitui um fator de alto risco, quando se utiliza material de uso comum pois a descontaminação segura dos instrumentos exige autoclavação dos mesmos ou tratamento por desinfetantes por no mínimo duas horas, o que raramente é realizado.

BnA: Como é feito o diagnóstico da hepatite?

Dr. Hermann Schatzmayr: O diagnóstico laboratorial é fundamental, após a avaliação clínica. Existem testes gerais que são as provas de função hepática e testes das enzimas hepáticas, que se elevam no sangue no caso de lesão do fígado e os testes específicos para cada tipo de hepatite. Em casos especiais para o acompanhamento dos casos crônicos, são feitas biópsias hepáticas quando pequenos fragmentos do orgão são retirados para exame do grau da lesão. São ainda realizados exames de ultra-sonografia para avaliação do nível de lesão do orgão.

BnA: Como evitar a hepatite?

Dr. Hermann Schatzmayr: A regra básica é: Cuide bem de seu fígado, ele é responsável direto por sua saúde! Evite ou reduza ao mínimo o consumo de álcool. Os portadores de hepatites crônicas devem eliminá-lo totalmente, sob risco de crises graves e mesmo fatais. Não tome chás desconhecidos pois muitos são hepatotóxicos nem use medicamentos sem orientação médica, pois muitas drogas têm efeitos colaterais lesivos ao figado. Evite todas as situações de risco descritas acima, em particular o contato com secreções e sangue humanos. Vacine-se contra hepatite A e B em especial quando viajar em áreas de maior presença destas viroses. No caso de se ter um portador de vírus na família, tomar cuidados de higiene no relacionamento pessoal, sem criar descriminações para o paciente. No caso das hepatites A e E evitar o contato com fezes dos pacientes pois elas contém grande quantidade de vírus e o uso de água e alimentos preparados sem cuidados de higiene.

BnA: Quais vacinas já existem e qual sua eficácia? Para qual tipo de hepatite? Como está a pesquisa para o desenvolvimento de vacinas para as outras hepatites?

Dr. Hermann Schatzmayr: As vacinas para hepatite A e B são comprovadamente eficazes e seguras e devem ser utilizadas. Contra hepatite C, que seria de grande importancia, não há previsão de uma vacina. Isto ocorre porque o vírus muda constantemente de estrutura, como acontece com o vírus da Aids, praticamente inviabilizando a obtenção de um produto eficaz.

BnA: Como proceder em caso de viagens ao exterior?

Hermann Schatzmayr: No caso de viagem ao exterior, deve-se vacinar contra as hepatites A e B e tomar os cuidados de evitar as situações de risco descritas. Lembrar de que a vacinação contra hepatite B compreende três doses, com intervalo de um e seis meses entre elas e que uma única dose não é suficiente para garantir a proteção. A vacina contra hepatite A é feita com duas doses.

BnA: Existe alguma vacina que pode ser tomada após a exposição ao vírus?

Dr. Hermann Schatzmayr: A vacinação contra hepatite B é usada nos casos de exposição acidental a material suspeito de  conter o vírus, associando-se gama-globulina específica. Isto ocorre em ambiente laboratorial e hospitais, porém fora destas situações não é rotina a aplicação de vacinas posteriormente a possíveis infecções, porque raramente se identifica de imediato a ocorrência da infecção.

BnA: Qual a dieta, o tratamento indicado e os cuidados a serem tomados pelo doente?

Dr. Hermann Schatzmayr: A questão da dieta em pacientes de hepatite é muito discutida e tem mudado ao longo dos anos, exceto obviamente a eliminação do álcool e de alimentos de difícil digestão. As recomendações médicas devem ser seguidas cuidadosamente. Os cuidados mais importantes devem ser a não contaminação de familiares e uma vida saudável, não-sedentária, com alimentos de digestão mais fácil, buscando um equilíbrio para suprir as deficiências funcionais do orgão.

BnA: O que é e para qual tipo de hepatite é indicado o interferon?

Dr. Hermann Schatzmayr: O interferon  (IF) é uma substância natural produzida por nosso organismo sempre que ocorre uma infecção por vírus e alguns outros agentes de doença. O produto é preparado industrialmente usando células vivas em cultura. O IF atua sobre a hepatite C com bons resultados em uma grande parte dos pacientes e no Brasil, por lei federal, os pacientes de hepatite C devem receber o produto, o que vem acontecendo em grande número deles. Dependendo da amostra de vírus, o resultado pode ser pouco satisfatório. O uso do produto, que é de custo elevado, deve se prolongar por seis a doze meses, com controle permanente dos efeitos colaterais nos pacientes, os quais podem ser importantes. Deve-se seguir rigorosamente as recomendações médicas.

BnA: Existe alguma forma de avaliação do estado histológico do fígado no qual se determina a idade do paciente ao ter sido infectado?

Dr. Hermann Schatzmayr: O exame histológico do fígado através da coleta de um pequeno fragmento do orgão (biopsia hepática) indica o gráu de evolução da lesão. O tempo que o paciente está infectado pode ser suspeitado, porém, a data exata da infecção não é possível definir inclusive porque em indivíduos com práticas de alto risco, como dependentes de drogas, pode ocorrer mais de uma infecção ao longo da vida.

BnA: A fibrose causada é reversível?

Dr. Hermann Schatzmayr: Não, o figado ao nascimento apresenta volume relativo elevado e ao longo da vida pelos contatos com substâncias tóxicas e infecções, há uma perda natural de hepatócitos, perda esta que é fortemente acelerada por processos infecciosos, como as hepatites virais, não havendo regeneração destas células. Frequentemente a única terapia para casos avançados é o transplante do orgão.

BnA: Os vírus causadores da hepatite podem comprometer outros órgãos (rins, etc)?

Dr. Hermann Schatzmayr: Sim, ha várias processos associados as hepatites, especialmente as B e C, como dores articulares, lesões renais e ao longo dos vasos por depósitos de complexos vírus + anticorpos, lesões no sistema nervoso central em fases avançadas da doença, acne, suspensão da menstruação, tiroidite, anemia  e problemas respiratórios.

BnA: Existem outras hepatites virais? O tratamento destas outras hepatites virais é o mesmo?

Dr. Hermann Schatzmayr: As hepatites virais conhecidas são as que foram descritas. O tratamento das hepatites B e C é complexo e nem sempre bem sucedido em casos avançados. Quanto as hepatites Ae E trata-se os sintomas e quase sempre o paciente se recupera sem problemas residuais.

BnA: Porque existe a necessidade de evitar a doação de sangue se o doador teve hepatite? Qual o prazo mínimo de espera antes de se doar novamente sangue?

Dr. Hermann Schatzmayr: Um dos mecanismos mais eficientes de transmissão das hepatites B e C é justamente a transfusão de sangue a partir de um portador de vírus, pois a infecção ocorre pela corrente sanguínea do receptor do sangue. Em todo o mundo se controla o sangue doado para eliminar as amostras contendo vírus, porém não se alcançou ainda a eliminação total do risco das transfusões. Por questões de segurança os pacientes de hepatite, mesmo os aparentemente curados não são aceitos para doação.

BnA: Como está a situação da hepatite no Brasil?

Dr. Hermann Schatzmayr: As estatisticas não são muito completas mas se observa uma redução da hepatite A por conta de alguns progressos na questão do saneamento básico, embora ainda insuficientes. Mantemos uma média de cento e trinta novos casos ao ano por cem mil habitantes, classificando o Brasil como área de risco para a doença.

A hepatite B apresentava até a década de noventa, altas taxas na região amazonica ocidental (Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima). Com as vacinações na região, embora incompletas, as taxas caíram bastante e se igualaram praticamente às regiões sul e sudeste. Em algumas áreas como no oeste de Santa Catarina, a prevalência pode alcançar cerca de 7% da população. Nos grandes centros urbanos do sudeste temos taxas em torno de 2%, classificada como de incidência média, pelos padrões mundiais.

Ainda não foi possível implantara vacinação extensa que poderia praticamente eliminar a doença como ocorreu no Japão, que já foi uma área de alta incidência de hepatite B. A hepatite C é problema sério por falta de uma vacina e pelo comportamento de grupos de risco e que são os mesmos envolvidos com a transmissão do vírus da Aids, sem previsão de uma melhora significativa nos próximos anos. A doença está em expansão em todo o mundo e atinge 1 a 2% da população mundial. No Brasil calcula-se uma taxa de incidência em torno de 2,4% da população o que significa mais de 4 milhões de pessoas infectadas.

BnA: Pode-se dizer que existe um tipo “mais comum” de hepatite no Brasil?

Dr. Hermann Schatzmayr: As estatísticas mostram que dentre as hepatites infecciosas no Brasil 43% são por hepatite A, 25% por hepatite B e 12% por hepatite C e as demais por etiologia não definida. A hepatite C por suas consequências clínicas e o alto custo dos tratamentos nem sempre eficazes, é sem dúvida a mais grave de todas as hepatites virais, não só no Brasil como em todo o mundo.

BnA: Qual a cobertura da vacinação no Brasil?

Dr. Hermann Schatzmayr: A cobertura da vacina contra a hepatite A é baixa pois o produto é caro e importado e não é fornecida gratuitamente pelo governo, como ocorre com as vacinas obrigatórias. A cobertura da vacina da hepatite B, apesar da melhora nos últimos anos na região amazônica, ainda não atingiu amplamente todas as áreas de maior incidência e é tambem insuficiente nas grandes áreas urbanas, onde vive a maior parte da nossa população. O produto ja é produzido no Brasil e deve aumentar sua disponibilidade nos próximos anos pela participação de um segundo produtor nacional.


Dr. Hermann G. Schatzmayr, é doutor pelas Universidades de Giessen e Freiburg / Alemanha e Livre-Docência em Virologia pela Universidade Federal Fluminense, pesquisador nível 1° do CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa) pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)  desde 1962. Assessor da Organização Mundial da Saúde/ Genebra, membro da Academia Brasileira de Ciências e Academia Brasileira de Medicina Veterinária.

Sua área de atuação é Microbiologia, com ênfase em Virologia, principalmente nos temas: flavivirus em especial dengue e febre amarela, biossegurança e poxvirus no Brasil.

Entrevista e texto: Ute Ritter

Foto: Dr. Hermann Schatzmayr, Virologista do Departamento de Virologia da Fundação Instituto Oswaldo Cruz/RJ/BR. Isolou o vírus da dengue pela primeira vez no Brasil, em 1986.

 

Agradecemos ao Dr. Hermann G. Schatzmayr por mais uma entrevista exclusiva concedida ao site Brasileiros-na-Alemanha.com.


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