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I CLBNA - Menção Honrosa / Crônicas

Latina


Foi na primavera de 1994 quando deixei o Brasil, levando na bagagem a experiência de meu trabalho, meus modos latinos e a doce lembrança de meu país tropical – lindo e trigueiro. Trouxe comigo o ritmo ardente de nossa dança, o embalo jeitoso da Bossa Nova, um punhado de aventuras, algumas doses de coragem... Sonhos e boemia. Feito uma ave migratória, fui viver na Alemanha, a velha pátria de meus avós, repetindo a trajetória de meus antepassados. Deixei minha “terra primeira” para viver em outro continente, enveredando novos caminhos. Abandonei minha aldeia e me despedi de minha mãe, dos irmãos e dos amigos. Ao deixar o aeroporto, senti uma lágrima nascendo... Era dolorosa como a dor de um corte profundo, marcando os longos anos de minha vida como brasileira apaixonada. Uma mágoa insustentável me feria e me açoitava.

Desde muito menina eu sabia que um dia deixaria o meu país. Pois, eu tinha apenas sete anos quando descobri o quadro de moldura dourada na pinacoteca de meus avós paternos, cuja paisagem me indicava um espaço que um dia viria a trilhar. Um grande castelo, rodeado por pinheiros e carvalhos, inspirava-me para muitas histórias. Algo muito vivo e presente me deslumbrava, sentindo-me estranhamente atraída pela fortaleza do quadro de vovó. Era como uma profecia, ansiava por alguma coisa que eu mesma desconhecia, mas pela qual estava obstinada. Estava certa, porém, de que ninguém poderia perturbar os meus sonhos e impedir minha busca. Fascinada pela beleza da obra, eu comentava:

- É para lá que vou quando crescer!

Assim foi.

Minha vida tomou seu rumo e eu fui embora, tal qual meu tataravô o fizera há quase 150 anos atrás. Levando um filho nos braços, fui morar na bela e romana Trier, a cidade mais antiga da Alemanha, situada às margens do Rio Mosela. Aqui, por onde andara em tempos de estudante, eu havia retornado, agora para ficar. Reconheci o mesmo céu, as cores harmoniosas do outono e este cheiro de outro mundo. Eram os aromas e segredos da velha pátria, da qual ouvira falar em toda minha infância. Revi o Rio Reno, os castelos, as pequenas aldeias, os vinhedos, a velha arquitetura e construções arrojadas. Estava reencontrando o país, cujo idioma era minha língua- mãe. Identifiquei as histórias que vovó contara – as fábulas de minha tribo.

Estava, pois, vivenciando a aventura que havia identificado em meu castelo iluminado – o quadro de moldura dourada. Na condição de imigrante, me enquadrei numa outra sociedade e procurei novos amigos. O tempo rugia e em poucos meses estava adaptada. Minha vida seguia seu curso e eu fui tecendo meu espaço com novos objetivos e com outros sonhos. Entretanto, meu carinho pelo Brasil foi fortalecido ao me encontrar longe dele. Guardava somente o melhor da patriazinha – a candura de vários dias, o flamejar de tantos olhos e o calor de muitos abraços: quimeras, formosuras e delírios. Minhas recordações do passado passaram a ser algo precioso e eterno, cuja profundidade ilimitada somente eu conhecia. Ao lado desta voragem de sentimentos, enriquecia culturalmente, pois a Alemanha havia me acolhido. Estava por me acostumar com seu povo, adquirindo características semelhantes e criando laços cada vez mais fortes, sem no entanto, abrir mão de mim mesma. Fui peregrina... de coração brasileiro.

Prossigo latina e continuo a palmilhar por este velho continente. Componho minha história de imigrante, com a voracidade e intrepidez de um marinheiro. Arejo minha alma inquieta com um pouco de ginga, de dengo e de samba-canção, sentindo-me, deste modo, mais forte e mais poeta. Entretanto, a fragilidade com que sou revestida quando ando pela Europa, é um estado natural de imigrante. Falo de uma vigilância positiva, sem medo, que me acompanha constantemente, visto que, estou sempre a me justapor, identificando usos e costumes num país onde não nasci. Carrego comigo – por todos os lugares – um amontoado de boas lembranças, amedrontando-me com a idéia de perdê-las. É o sonho nostálgico que vive ancorado em mim, implacavelmente, confidenciando-me aos sussurros, afetos e entusiasmos infinitos.

Tenho o privilégio de conviver com pessoas de todas as partes do mundo, deixando-me fascinar por suas culturas, por suas raças e por seus idiomas. Não obstante, em contrapartida, me revelo brasileira que sou, mostrando todo o carinho que tenho por minha terra. Entusiasmada, falo de meu país como quem fala de um grande amor. Por um instante fugaz, sinto o aroma inconfundível do limão, do café e das torradas. Queria, então, degustar um churrasco, um feijão preto, o doce das mangas, do abacaxi e do mamão. Falo de nossa alegria, da mistura das raças e de nossa hospitalidade. Lembro dos jacarandás floridos e da exuberância dos flamboyants. Sinto na pele o calor escaldante do sol e o frescor salgado das águas de nossos mares. Ouço o canto do sabiá e o assobio do vento minuano lambeando as coxilhas de meu pago. Como que hipnotizada, passo os olhos por Porto Alegre e lembro de Quintana, da Rua da Praia e do Guaíba. Falo de Vinícius, de Tom, de Veríssimo e de Caymmi... Sonho com a beleza do Rio de Janeiro e com o ritmo efervescente do carnaval.

Sinto – aqui e ali – um cheiro de sonhos... e muitas saudades!

 

Foto: Ilaine Kunz
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I Concurso Literário
Brasileiros-na-Alemanha.com

Crônicas
1. Lugar


Nane Faganello
2. Lugar


Simone Horvatin
3. Lugar


Débora Dornelas
Menção Honrosa


Latina
Ilaine Kunz
Poesias
1. Lugar



"Deth Haak"
2. Lugar


"Ras Adauto"
3. Lugar



Ana Cláudia de Souza

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